12 outubro 2012

A crônica das minhas fascinações


Me afasto, cada vez mais, das pílulas de entretenimento e suas fascinações. Dessa forma subliminar de nos tratar como neuróticos, sedentos pela droga que irá nos livrar do peso da existência. Desses fogos de artifícios que projetam um mundo pretensamente mais divertido que o real. As propagandas sugerem bebidas para ser feliz, carros para ser feliz, roupas para ser feliz e as pessoas compram bebidas, carros e roupas mas não são felizes.
O que há de errado? Será que sou eu, doutor? Durante a infância, lembro do meu lance com o futebol. Cada partida do Corinthians era uma sessão catártica que me elevava a outra dimensão. Os jogos da seleção brasileira, então, eram esperados como o desembrulhar revelador de uma manhã de Natal. Até que furaram a bola. Descobri que as apostas eram altas, os apostadores poderosos e os árbitros não conseguiam pagar as suas contas somente com o apito. E, frustrado, abandonei a fascinação pelo futebol.

Passei a me embriagar com desenhos, novelas e filmes da Disney. Um mundo de fantasias e diversão. Encenações que me proporcionavam sonhos enlatados, com personagens produzidos em laboratório, em escala industrial - exclusivamente para mim! Até eu perceber que esses seres eram as armas de uma guerra que tinha o meu subconsciente como território a ser conquistado. E, desiludido, abandonei a fascinação pelo cinema.

Modelos vigentes me persuadiram, então, a malhar o corpo. Esculpir músculos no laboratório multiespelhado de uma academia. Tão belos e fortes, meus amigos tinham uma visão periférica de uma acuidade capaz de medir milimetricamente bíceps, tríceps e peitorais uns dos outros. A altivez gerada pelo culto à forma era tamanha que cheguei a confundi-la com autoestima. Até descobrir, a tempo, que aquele era apenas a minha imagem refletida na água. E, quase afogado, me retirei da fascinação pelo Fitness.

Finalmente, quando nenhuma dessas fantasias mais fazia efeito, passei a procurar as drogas propriamente ditas. Inalantes e maconha proporcionavam a perspectiva inédita de que eu estava além de mim. Viagens mentais muito reais, legaaais. Nunca diga a um drogado que as drogas não são prazerosas. O problema é que o que apraz, sempre tão fugaz, não devolve o tempo perdido, as relações perdidas, a saúde perdida. E, quase vencido, abandonei a mais perigosa das fascinações.


A vida vale a pena por si só. Urge se viver sem filtros, sem artifícios, naturalmente, simplesmente. Os mais espertos poderiam aceitar o jogo e se aproveitar desse conhecimento para tirar vantagens de outros seres desprovidos de gnose. Os radicais, por sua vez, poderiam tentar erguer uma sociedade alternativa. Como não sou esperto nem radical, procuro, agora, nas oportunidades infinitas do momento inventar um caminho que passe pelo meio. Que me faça experimentar as coisas sem me fascinar por elas.

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