09 junho 2010

A morte como erro de cálculo...

O que acontece a um corpo em aceleração quando, atingindo 120 quilômetros por hora, é contido por outro corpo de aproximadamente 40 toneladas em estado de inércia? Nélson Salvador não teve condições para calcular. Resultado: massa encefálica grudada no interior do capacete. Dezenas de pessoas velaram o caixão que lacrava os pedaços do jovem de trinta anos.


Sentada num banco de plástico ao lado do caixão estava Sueli, a esposa. Parte da pele ao redor dos roxos olhos em carne viva e um vermelhidão no pescoço. Marcas associadas ao marido, mas sem relação com o acidente. Cabisbaixa, ela demonstrava tristeza e dor. Mas não... não chegou a passar água salgada nas feridas oculares. Essencialmente, quem olhou de forma mais profunda àquelas chagas, percebeu alívio pelo fim de um ciclo.

A mãe de Nelson estava indignada com a morte do filho. Para ela, a culpa era de Sueli. “Foi por causa das brigas com você que meu filho se acabou desse jeito”, praguejava alto contra a calada nora. Grupos de pessoas presentes na cerimônia viraram discretamente os olhos para observarem o trágico monólogo. Entre sapatos, cadeiras, escadas, portas e jardins, brincava quase esquecido o pequeno Gabriel, filho de Sueli e Nélson. Com cinco anos, parecia entender o que ocorria. “É aqui que papai vai morar agora que ele morreu?”, perguntou a uma tia. Depois de ouvir a resposta, voltou a brincar.

Observando a criança, havia um grupo de quatro senhoras:
- Pobre da criança que ficará sem pai – lamentou a Senhora Um.
- E alguma vez essa criança teve pai? – criticou Senhora Dois – Saiu de madrugada, trombou bêbado num caminhão parado e morreu. Isso lá é exemplo para um criança?!. Além do mais, todo mundo sabe que o Nélson vivia na gandaia, bebia todas e ainda batia na mulher. Será que o menino não vai fazer o mesmo?
- Mas ela (Sueli) também é culpada. Não é de hoje que ela apanha... apanhava do marido. Olha o jeito que ela está hoje, toda quebrada. Quando cheguei, pensei que ela também estava na moto no acidente – disse a Senhora Três.
- Óia , eu num sei se a curpa é da Sueli, do Nérso, minha ou do Lula, o que eu sei é que agora a gente tem que rezá pelo minino, gente. Prêle consigui si formá cum saúdi, prêle vivê filiz e guardá as coisa boa que todu mundo têm. U qui passô, passo -, pacificou a Senhora Quatro.

Depois de correr bastante, Gabriel chega perto da mesma tia e pede a ela para ver o pai pela última vez. A tia nega. Aos poucos, o tom natural da voz do garoto se cala. Ele engole a seco o que acabou de falar. (Câmera lenta). Músculos faciais da boca se movem sutilmente para baixo. Os olhos se inclinam para cima. Procuram algo. Se perdem no horizonte. Piscam duas vezes. Viram-se para a tia: “Dexa eu vê, tia, dexa!”. Lágrimas começam a cair. Com o coração na mão, a tia responde negativamente. Segura os braços da criança e a leva para fora do velório.

Nelson não era muito bom de Cálculo...

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